. Desejos .



Tenho poucos desejos. Poucos, porém sinceros. E intensos. E antes que eu pareça alguém sem pretensões, sem sonho nem personalidade, vou logo avisando: tenho poucos desejos porque quero. Porque na verdade, não preciso de mais, sempre mais. Preciso do essencial, aos poucos, na medida certa. Isso ajuda a equilibrar meu super ego, que um dia já foi muito mais super, muito mais gêmeos. A idade também traz esse equilíbrio, essa moderação, esse querer comedido, porque quanto mais a gente sabe que nosso tempo está passando, e que algum fim se aproxima, mais temos calma em realizar as coisas, porque não precisamos que elas sejam urgentes. Precisamos que elas sejam perfeitas, ou que pelo menos possuam a sua parcela de perfeição que conforta a alma, aquele pedacinho que estava lá, faltando, pro seu dia ficar mais bonito. Não precisam ser noites perdidas e estar em casa de manhã. Basta serem alguns minutos, algumas horas, as pessoas certas, as palavras certas, a dose exata. E antes que eu pareça estar perto dos meus sessenta anos com todo esse papo careta que eu, com desessete com certeza esnobaria, assumo e comunico a sensatez dos meus recém-chegados trinta. Fosse mulher, poderia me explicar pelas palavras de Honoré. Mas por serem esses seres muito mais complexos que nós, homens, creio que não há regra no nosso mundo para essa transição. A não ser o próprio retorno de saturno, que pode ajudar a entender a problemática masculina nessa nova fase. E contradizendo mais uma vez os paradigmas, posso dizer que recebi essa primeira volta completa em torno do zodíaco com tranqüilidade, seja porque as coisas acontecerem naturalmente, seja porque tinha que ser, oras. As responsabilidades vieram por si só, com calma, e no seu tempo. Sem dramas. Sem espera nem desespero. Claro que grande parte desses meus desejos satisfeitos e pouco ansiosos deve-se não só a mim, mas a vários outros fatores que me rodeiam: primeiro, minha família louca, estabilizada, estranha e feliz. O apoio acolhedor e extravagante dos meus lindos pais e o amor puro e megafônico do meu irmão, com seus cinco mil braços quando me abraça. Depois, a pessoa que amo, meu hiero-gamo, que surgiu no mesmo momento em que saturno apontou, ameaçador, destruidor. Chegou no surgimento do ciclo, me encontrou desestabilizado e pronto pra entrar em crise e pulou comigo na balança, me tomando de surpresa, entrando, sentindo-se à vontade, pedindo um chá e ficando pro jantar. E bem na hora que eu tinha descoberto que adoro cozinhar! Terceiro: minha profissão, meu norte, que só agora eu vejo que o número de pessoas nessa idade que não sabem o que querem é enorme! E eu, entre meus xiliques de não saber se é isso mesmo que eu quero, olho pra mim mesmo e olho pro lado: é impossível não comparar. Sei o que eu quero e faço isso muito bem. Pronto. Posso parar por aqui e já é motivo de sobra pra eu perceber que tenho grande parte dos meus desejos – que são os mesmos de uma grande maioria – realizados. Ou pelo menos encaminhados. E bem encaminhados. Posso roubar um pouco da preocupação que tenho em conseguir coisas mais fúteis, e somar com a vontade de prosseguir sustentando o que já tenho, já ta de bom tamanho. E ainda me sobra tempo e vontade pra outros desejos mais distantes, não desmerecendo a sua importância na minha felicidade diária: uma viagem, um carro, uma casa própria, o próprio negócio, um cachorro (ou dois, ou três), uma conta bancária recheada e várias contas pagas. Desejos mais distantes? – pergunta um leitor mais vislumbrado. Sim, porque são coisas que sem elas eu posso viver normalmente. Não alteram minha felicidade. Podem oscilar meu humor dia ou outro, principalmente às segundas-feiras, ou quando alguma dívida cresce. Mas nada que depois não se resolva. No ultimo aniversário, o fatídico dos trinta, as pessoas mais próximas, preocupadas com minha entrada nessa fase da vida insistiam em perguntar o que eu queria. Talvez pra amenizar o processo do retorno de saturno, que é sempre cruel, pra me ver mais feliz. Ou talvez só por me amarem mesmo, e ter dinheiro sobrando para tal. E, gente, eu não sabia o que pedir! E não pedi. Ganhei coisas legais. Livros, roupas, perfumes caros, cestas de vinhos e chocolates, cartões fofíssimos que me fizeram chorar. E abraços, muitos abraços, o melhor de tudo. Só esses dias me dei conta que eu não tenho um par de pantufas. E como sinto muito frio nos pés, eu adoraria ter um nesse inverno. E esse é meu atual objeto de desejo: um par de pantufas. Carro, casa, viagem à Europa eu posso conquistar, aos poucos, ou quem sabe até ganhar amanhã, o que seria – oh meu Deus – fabuloso! Mas não é pra mim tão significante, hoje, nesse dia chuvoso, quanto um belo, fofo e macio par de pantufas.

Luiz Marcel


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1 comentários:

Rô... disse...

oi Elaine,

muitas vezes o afago na alma,
tem um valor que dinheiro nenhum pode comprar...

beijinhos