Filme "Uma Noite em 67"




"Uma Noite em 67" resgata história do Festival de Música Popular Brasileira

Imagine um palco que reúna na mesma noite Chico Buarque, Roberto Carlos, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Elis Regina. Ainda coloque na conta Mutantes, Edu Lobo, Jair Rodrigues, MPB4 e Geraldo Vandré. E Nara Leão. E Nana Caymmi. O que hoje parece um desvario, algo impossível, aconteceu há 40 anos e figura como um dos momentos mais emblemáticos da cultura nacional. Pois o III Festival de Música Popular Brasileira volta à baila no documentário “Uma Noite em 67”, de Renato Terra e Ricardo Calil, escolhido para a abertura do festival É Tudo Verdade, que inaugurou sua programação quinta-feira (08), em São Paulo, e na sexta(09), no Rio.

A chamada “era dos festivais” começou em 1965, na TV Excelsior, e o formato deu tão certo que se espalhou pelas outras emissoras da época. As eliminatórias e finais eram realizadas em teatros tradicionais, enormes, e o clima, de torcida frenética: o público tinha seus preferidos e, de acordo com candidato, acompanhava a performance vaiando ou cantando junto. Os programas serviam também de plataforma para novos artistas – Chico Buarque chegou ao estrelato em 1966, com a vitoriosa “A Banda”, e Milton Nascimento com “Travessia”, no ano seguinte –, novas tendências e como palanque para a contestação política. Uma janela e tanto para fisgar a opinião pública.

Abrigado pela TV Record, o Festival de Música Popular Brasileira (ou Festival da Record, como chegou a ser conhecido) teve seu auge em 1967 por registrar o ápice das tensões que moviam a cena na época. O samba tradicional convivia em razoável harmonia com a canção de protesto, mas a presença da guitarra elétrica, empunhada pela turma da Jovem Guarda, representava uma pretensa ameaça à integridade da música nacional, tanto que Elis e Gil chegaram a liderar uma passeata contra o instrumento e a influência da cultura norte-americana poucas semanas antes do programa – passeata, aliás, cujas imagens vêm pela primeira vez a público, resgatadas da Cinemateca Brasileira.

“Existia uma divisão muito clara, duas correntes musicais que não se falavam”, afirma Terra, um dos diretores do filme. “A partir dali, começou a se produzir um tipo de música que existe até hoje, misturando elementos regionais e da vanguarda musical no mundo inteiro, que chamavam na época de ‘som universal’. Acho que o festival de 67 foi o mais representativo, o mais importante.” Esse “som universal”, na verdade, era nada mais, nada menos do que o embrião do tropicalismo, tanto que Gil e Caetano apresentaram duas canções que se tornariam bandeiras do movimento: “Domingo no Parque”, ao lado dos Os Mutantes, e “Alegria, Alegria”, com os Beat Boys.

“Ponteio”, defendida por Edu Lobo e Marília Medalha, “Roda Viva”, com Chico Buarque, e “Maria, Carnaval e Cinzas”, samba surpreendente cantado por Roberto Carlos no auge do iê-iê-iê, completam as cinco primeiras colocadas pelo júri e que formam a espinha dorsal do documentário. A equipe do filme reuniu depoimentos saborosíssimos de todos os envolvidos e de que quebra ouviu Sérgio Ricardo, nosso primeiro rockstar – incomodado pelas vaias que o impediam de tocar a música “Beto Bom de Bola”, ele destruiu seu violão em uma cadeira do palco.

O projeto começou em 2005, quando Terra, hoje com 28 anos, e Calil, 37, passaram a trabalhar juntos. O próximo passo da dupla foi conseguir o apoio da produtora e distribuidora Videofilmes, de Walter e João Moreira Salles, e da Record Entretenimento, braço da TV no mercado audiovisual. A parceria possibilitou um mergulho no acervo da emissora e trouxe à tona imagens raras de bastidores e a apresentação das músicas de outros festivais na íntegra – a não ser as participações de Geraldo Vandré, o engajado intérprete de “Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores”, desaparecidas misteriosamente. Por isso, a ideia inicial era partir do festival de 1967 para falar um pouco da era dos festivais, tanto que, quando os diretores foram a campo para as entrevistas, abordaram o período que ia de 1965 a 1972.

“Na mesa de edição, quando começamos a montar o filme, percebemos que ou seria um filme de cinco horas, ou seria um filme superficial”, conta Terra. Por isso, material de peso, como as músicas de Nara Leão e Elis Regina, e entrevistas inéditas de Júlio Medaglia, Nana Caymmi e Jair Rodrigues, entre outras, acabaram ficando de fora. “Foi doloroso, mas estamos seguros de que era melhor ir para o essencial e se aprofundar nele do que fazer um catálogo de músicas e artistas e passar por cima por todos”, completa Calil. O excedente já tem destino certo: os extras de um futuro DVD e o site Era dos Festivais, que compila informações de todo aquele período.

Apesar disso, o filé entrou na versão final, inclusive a conversa em que Chico Buarque afirma ter estado na famosa reunião na casa de Sérgio Ricardo, onde Gil, acompanhado de Caetano, Nara e outros expoentes daquela cena, expôs suas ideias sobre o tropicalismo. A questão é que Chico diz não lembrar de nada, por estar bêbado na ocasião. “Todo nosso esforço foi, apesar de eu e o Renato não termos nenhuma intimidade anterior com essas pessoas, de tentar criar um clima que as deixasse à vontade para dar depoimentos muito pessoais, íntimos, e acho que fomos bem sucedidos”, explica Calil.

De fato, o grande mérito de “Uma Noite em 67” é ter conseguido acesso a artistas geralmente avessos à imprensa, como o próprio Chico e Roberto Carlos. Para isso contribuíram as participações do crítico e pesquisador Zuza Homem de Mello, ele mesmo uma das figuras do festival, como técnico de som, e da produtora Beth Accioly, com livre acesso na cena cultural carioca. Não deixa de chamar atenção, no entanto, que os dois diretores à frente do documentário nem haviam nascido na época do festival.

“São artistas que a gente admira muito, parte fundamental da trilha sonora de nós dois, de nossos pais e não duvido que sejam de nossos filhos no futuro”, diz Calil. “Esse festival foi organizado há 40 anos e ter dois jovens preocupados em fazer um filme a respeito só prova o grau de permanência dos artistas, a qualidade da música que eles fizeram e o nosso interesse por aquele momento histórico. Conversamos com muita gente da nossa idade e existe uma curiosidade enorme por aquele período. Espero que o filme comece a preencher uma lacuna e desperte esse interesse.”







Fonte:www.ultimosegundo.ig.com.br

2 comentários:

Nanda disse...

Que maravilha... Eles são a essência da nossa música popular brasileira!
Beijinhos e ótimo final de semana...

Mirtes disse...

Menina, isso é bom demais!!!, na época eu tinha 7 anos e gostaria de rever tudo ao vivo, já pensou?, adorei a informação.

Bjsss