Ode de Luís Vaz de Camões



Nunca Manhã Suave


Nunca manhã suave,
estendendo seus raios pelo mundo,
despois de noite grave,
tempestuosa, negra, em mar profundo,
alegrou tanta nau, que já no fundo,
se viu em mares grossos,
como a luz clara a mim dos olhos vossos.

Aquela fermosura
que só no virar deles resplandece,
com que a sombra escura
clara se faz, e o campo reverdece,
quando meu pensamento s'entristece,
ela e sua viveza
me desfazem a nuvem da tristeza.

O meu peito, onde estais,
e, para tanto bem, pequeno vaso;
quando acaso virais
os olhos, que de mim não fazem caso,
todo, gentil Senhora, então me abraso
na luz que me consume
bem como a borboleta faz no lume.

Se mil almas tivera
que a tão fermosos olhos entregara,
todas quantas tivera
polas pestanas deles pendurara;
e, enlevadas na vista pura e clara,
- posto que disso indinas – ,
se andaram sempre vendo nas mininas.

E vós, que descuidada
agora vivereis de tais querelas,
de almas minhas cercada
não pudésseis tirar os olhos delas;
não pode ser que, vendo a vossa antre elas,
a dor que lhe mostrassem,
tantas üa alma só não abrandassem.

Mas pois o peito ardente
üa só pode ter, fermosa Dama,
basta que esta somente,
como se fossem duas mil, vos ama,
para que a dor de sua ardente flama
convosco tanto possa
que não queirais ver cinza üa alma vossa.



Luís Vaz de Camões


0 comentários: