Dia das Mães Nem Sempre Feliz !
Dia das Mães
No ano retrasado ele veio, ano passado não. Este ano, só Deus
sabe o que vem. Pensam que fico esperando? Espero que nem aquela porta
espera, aquela mesa espera, aquela planta ali. Não faz nenhuma diferença
ele vir ou não vir, com as tolas recomendações de sempre, as mesmas e
falsas preocupações.
Teve um ano que trouxe o filho. E o filho veio com a namorada.
Dois jovens abobalhados, olhando para as paredes descascadas com
curiosidade mórbida, me encarando com nojo e repulsa. Não aceitaram a
água nem o guaraná que ofereci, com certeza por acharem que os copos
não são lavados. Meu filho ainda aceitou a cerveja, talvez por saber que o
álcool desinfeta tudo.
A mulher não vem nunca com ele. Nenhuma falta me faz. Fico
dispensada dos salamaleques, de fingir naturalidade, falando de doenças ou
de novelas. Tão bem criado, tão mal casado. A última vez que ela apareceu
aqui veio direto ao salão de beleza. Manteve os dedos esticados, durante os
minutos que durou a visita de médico, para não encostar a unha em nada.
Meu filho mostrou o quarto onde vivia quando rapaz solteiro. Ele riu, cínica e
sonsa. “Como é que alguém pode viver num buraco desses?”, devia estar
pensando.
Barulho no portão, só pode ser ele. Lá vêm flores murchas,
presente ordinário, casaco de lã ou meias de nylon, garrafa de vinho de
padaria, adocicado e enjoativo, pacotinho de torradas que eu não comia nem
no tempo em que tinha dentes. Vai se sentar no sofá que está forrado desde
cedo e estirar as pernas no banquinho que só sai do quarto quando ele vem
aqui. Claro que não vai demorar, pois tem compromissos com o filho ou com
a mulher. Pouco se me dá que venha ou não venha, fique ou não fique.
Não era ele no portão. Apenas um vendedor de frutas. Pela hora,
duvido que ainda apareça aqui. Melhor dobrar e guardar o lençol novo que
coloquei no sofá, não quero que pegue poeira. Melhor devolver para o quarto
o banquinho de estirar as pernas. Ano que vem pode precisar.
Luiz Pimentel
Fontes:
Cabelos Molhados - Contos - Pag. 58 e 59.
http://olhaioliriodocampo.blogspot.com/imagem
About author: Elaine Crespo
Elaine Crespo, adoradora de blogs, escrever, ver o pôr do sol, internet, chocolate, livros, filmes e séries.
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2 comentários:
Olá amiga! Belo conto, só que um pouco triste. O pior de tudo, é que assim como essa mãe, existem muitas espalhadas por este mundo. É lamentável, mas é a pura verdade.
Beijos e ótimo Dia das Mães pra ti e para os teus.
Furtado.
Prefiro dizer doutra forma: o Dia das Mães NÃO PRECISA ser no dia que a mídia estabelece como tal - e, neste sentido, ao analisar os fundamentos gerativos do conto, o que parece, para mim, é que os perosnagens foram mais vitimados por exigências e expectativas extrenas e pré-programadas do que necessariamente pela tristeza. Mas quem sou eu para falar qualquer coisa, né?
Beijo grande para ti e para a amada Aracy.
Beijão,
Wesley PC>
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