Já te disse mais de mil vezes que não quero ver você descalço. Nunca vi uma criança tão suja em toda a minha vida. Quando teu pai chegar você vai morrer de tanto apanhar. Oh, meu Deus do céu, esse menino me deixa completamente maluca. Estou aqui há mais de um século esperando e o senhor não vem tomar banho. Se você fizer isso outra vez nunca mais me sai de casa. Pois é, não come nada: é por isso que está aí com o esqueleto à mostra. Se te pegar outra vez mexendo no açucareiro, te corto a mão. Oh, meu Deus, eu sou a mulher mais infeliz do mundo. Não chora desse jeito que você vai acordar o prédio inteiro. Você pensa que seu pai só trabalha pra você chupar Chica-Bon? Mas, furou de novo o sapato: você acha que seu pai é dono de sapataria, pra lhe dar um sapato novo todo dia? Onde é que você se sujou dessa maneira: acabei de lhe botar essa roupa não faz cinco minutos! Passei a noite toda acordada com o choro dele. Eu juro que um dia eu largo isso tudo e nunca ninguém mais me vê. Não se passa um dia que eu não tenha que dizer a mesma coisa. Não quero mais ver você brincando com esses moleques, esta é a última vez que estou lhe avisando.
Millôr Fernandes
Texto extraído do livro "'10 em Humor", Editora Expressão e Cultura - Rio de Janeiro, 1968, pág. 15.
Exageros de Mãe
About author: Elaine Crespo
Elaine Crespo, adoradora de blogs, escrever, ver o pôr do sol, internet, chocolate, livros, filmes e séries.
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