A Entrega Real


Enfim, enfim quebrara-se realmente o meu invólucro, e sem limite eu era. Por não ser, era. Até ao fim daquilo que eu não era, eu era. O que não sou eu, eu sou. Tudo estará em mim, se eu não for; pois 'eu' é apenas um dos espasmos instantâneos do mundo.
Minha vida não tem sentido apenas humano, é muito maior - é tão maior que, em relação ao humano, não tem sentido. Da organização geral que era maior que eu, eu só havia até então percebido os fragmentos. Mas agora, eu era muito menos que humana - e só realizaria o meu destino especificamente humano se me entregasse, como estava me entregando, ao que já não era eu, ao que já é inumano.
E entregando-me com a confiança de pertencer ao desconhecido. Pois só posso rezar ao que não conheço. E só posso amar à evidência desconhecida das coisas, e só me posso agregar ao que desconheço. Só esta é que é uma entrega real.

Clarice Lispector

1 comentários:

Pseudokane3 disse...

Intimação atendida...

Logo com Clarice Lispector...

Assim eu fico vermelhinho de lisonja...

A entrega verdadeira, Elaine... Esta é a que nós buscamos - e a que eu encontrei em ti!

Lindo texto!

E, sim, se encontrares o filme, pode separar que a gente vê juntos, enquanto não passa de novo no "canal de Wesley" (risos)

Beijão, te amo!

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